quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Sinopse e Resenha : A imortalidade - Milan Kundera





Título: A Imortalidade
Editora:  Companhia das Letras
Autor: Milan Kundera
Páginas: 406


Sinopse:



" Na  minha mocidade ( prosseguiu Hemingway), era um galo, gostava de me mostrar. Regalava-me com as histórias que contavam a meu respeito. Mas creia-me, por mais vaidoso que fosse, não era um monstro e não sonhava absolutamente com a imortalidade! No dia em que compreendi que era justamente ela que me espreitava, entrei em pânico. Cem vezes implorei às pessoas que não se metessem na minha vida. Mas, quanto mais implorava, pior era. instalei-me em Cuba para escapar delas. Quando me deram o prêmio Nobel, recusei-me a ir a Estocolmo. Estava pouco ligando para a imortalidade, e direi ainda mais: o dia em que constatei que ela me abraçava, o horror que senti foi pior do que o horror da morte. O homem pode pôr fim à sua vida: mas não pode pôr fim à sua imortalidade."



Resenha:

O que falar de um cara que consegue juntar dois grandes nomes da literatura mundial numa só narrativa, e criar um diálogo que em nossas mentes moldadas pelos limites da humanidade, nunca poderia acontecer. Porém ... quando se propõe falar sobre imortalidade, nada melhor do que dois "imortais" para explicar ao leitor como funciona a transição.

Primeiro eu tenho que falar que Milan Kundera é o melhor escritor que já li, e a imortalidade se tornou o meu livro predileto. Não por ser intelectual ( o que é, em incontáveis aspectos), mas porque ele é intelectual de uma forma não complicada. Kundera leva a narrativa de uma forma leve, nos envolvendo e explicando sem palavras grandes - e necessidade de ter um dicionário ao lado. Esse livro foi o primeiro escrito por ele que eu li. E o que mais me prendeu a leitura foi o fato dele falar de muitos assuntos, mas principalmente dele focar no assunto mais importante nesses dias efêmeros onde ganhamos e damos tão pouca atenção ao outro, Ele fala sobre PESSOAS. Dizem que nós escrevemos melhor sobre o que nós sabemos bem, e qual o assunto que o ser humano pode ter melhor desenvoltura do que sobre ele mesmo? Kundera faz isso magistralmente.

Essa eletricidade do mundo atual, onde tudo é tão sem importância, o ser humano como ele é, é o que menos ganha a atenção do mundo. Quem repararia num gesto direcionado por uma mulher de sessenta anos ao seu professor de hidroginástica? Pois é, há tantos aspectos e maneiras que as pessoas escolhem para tentar ser vistas pelo mundo - sobretudo os jovens- aos quais uma mulher de cinquenta anos não poderia recorrer sem parecer a " tia louca". Kundera mostra que a simplicidade de um gesto pode trazer de volta anos a fio. Pode-se encontrar a moça numa senhora apenas observando por alguns minutos e se abstendo das pré-concepções da sociedade. Um acaso pode nos trazer muitas experiências.

Uma citação explicará melhor, lembrando que esse é um dos meus trechos prediletos, da vida:

"... Uns quatro ou cinco metros, virou a cabeça para ele, sorriu e fez um gesto com a mão. Meu coração apertou-se. Esse sorriso, esse gesto, eram de uma mulher de 20 anos! Sua mão tinha girado no ar com uma leveza encantadora. Como se, brincando, ela jogasse ao seu amante um balão colorido. Esse sorriso e esse gesto eram cheios de encanto, enquanto o rosto e o corpo não o eram mais.. Era o encanto de um gesto sufocado no não encanto do corpo. Mas a mulher, mesmo que soubesse que não era mais bonita, esqueceu isso naquele momento. Por uma certa parte de nós mesmos, vivemos todos além do tempo. Talvez só tomemos consciência de nossa idade em certos momentos excepcionais, sendo, na maior parte do tempo, uns sem-idade..."

Deu pra sentir? Pois é. A forma como kundera desconstrói todas as nossas pré-concepções sobre as pessoas, nos faz olhar diferente pra quem está ao redor. Quando ele extrai de uma senhora a delicadeza de uma moça, ele também nos faz questionar o porque sempre olhamos para uma senhora (ou senhor) de sessenta anos como moribundos. Kundera grita " ELES CONTINUAM SENDO PESSOAS!" o fato da sociedade ignorar isso é o que os torna moribundos. Estamos tão acostumados em pensar que com os anos passa-se também a vida que nunca paramos para pensar que pessoas com idade avançada, continuam tão pessoas por dentro quanto eram aos 15 anos. A alma não envelhece. A imortalidade, é tão cheio de trechos importantes- daqueles que a gente tem vontade de escrever em algum lugar para guardar e achar facilmente.- que se fossemos nos deixar levar pelo impulso copiaríamos todo o volume.
Uma certeza : A imortalidade de Milan Kundera é um livro de notas para ser levado para a vida inteira. E eu sei que parece um pouco exagerado, mas assim que você ler, vai entender a minha euforia. Com um gesto, conhecemos a primeira personagem do romance, Ágnes. 

Ágnes é uma mulher centrada, bem casada, com um homem que a ama perdidamente, e com uma filha linda. Tudo que alguém poderia querer na vida: uma vida como a de Ágnes. Porém, Ágnes tinha esse lado aventureiro, esse desejo de liberdade insaciável que a impedia de se sentir a " mulher de sorte". E quem culparia Ágnes? Eu sei, muitas pessoas. Porque o mundo de hoje é tão cheio de julgadores que a colocariam numa cruz em dois tempos. Segundo as regras uma mulher sensata desistiria imediatamente de seus desejos individuais para o bem do sonho coletivo. Quando se é mãe e esposa, sua vida está automaticamente no modo "pausa", nada que seja individualidade é mais importante do que o bem geral da família. E ágnes entendia isso muito bem, e tentava ser a mulher perfeita, e tentou por anos, mas o desejo continuava ali. Eu conheço muitas Ágnes.

Nesse livro você é presenteado com uma pessoa, e é lhe dito : observe! Você olha por todos os ângulos, e tem alguém ao seu lado explicando todos os aspectos da vida dessa "pessoa protótipo". Com a ajuda do narrador você começa a questionar e colocar tantas outras pessoas sob a luz "kunderiana", e pensar que o mundo seria tão melhor se houvessem mais observadores e menos semi-deuses. É muito difícil fazer uma resenha de um livro assim, porque são tantos aspectos a serem explorados que sinto que vou escrever dez páginas.

No capitulo " o rosto", ele fala de gestos, individualidade, Deus ou computador cósmico ( como queira chamar), fala sobre rostos e essência, sobre como nosso rosto deve representar nosso "eu" e que sem essa prévia identificação não poderíamos viver, porque essa ilusão de que somos um ser único e inimitável é o que nos faz ter uma visão apaixonada pela vida, e assim continuar vivendo. Nesse volume temos Ágnes, a personagem que nasceu a partir de um gesto assim como eva nasceu da costela de adão, portanto a principal; Paul, o marido apaixonado do começo ao fim; Laura, A irmã com um quê lúdico, louca, incompreensível e as vezes até compreensível olhando com um olhar poético. Laura era intensa, e via na intensidade a verdade. Para ela não existia verdade na passividade, tudo deveria ser vivido sem reservas. Apesar da instabilidade emocional que isso trás, não pode-se descartar o fato de que é um bonito pensamento. Já paul era contido, reservado, feliz com o que tinha, era a figura da passividade, porém observando por mais uns segundos pode-se encontrar em paul aspectos do garoto no homem.

A narrativa de kundera é sem dúvida para ser sentida e não para ser explicada. Eu gostaria de fazer uma análise extensa sobre cada personagem da narrativa, porque todos são tão característicos e cheios de humanidade - digo humanidade no sentido de não serem embelezados pela luz poética-, sinto que posso sair de casa e encontrar uma Ágnes ao virar a esquina, assim como sinto que posso já ter visto várias ou até mesmo que eu também sou um pouco Ágnes, e também um pouco Laura. Isso é o que mais me deixa eufórica sobre os livros desse homem chamado Milan Kundera, me espanta ele conhecer GENTE tão bem, ele cria um personagem que na verdade são tantas pessoas agrupadas numa só, lhe dá uma verdade e faz o leitor crer nessa verdade, fico até com medo de que seja tudo ficção.

Resumindo: LEIAM, LEIAM E LEIAM!!! Milan kundera além de ter um nome estiloso, ele escreve livros de cabeceira e não livros de estante. falo isso com propriedade porque fazem três meses que o meu está ao lado da cama. haha espero que tenham gostado! Esse livro é digno de um clube do livro. beijosmil!! :)

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