segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Leveza - Peso



Em toda a minha vida tive uma frase recorrente sempre que penso na vida, e nas relações : " difícil essa coisa de lidar com o outro, né?!"  O ser humano é a criatura mais complicada que o mundo já viu. Tem gente que diz que não, que vive  uma vida leve, e não complica coisas simples, como relacionamento por exemplo. Que quando o amor acaba, termina e ponto e pula para outra, porque "vida que segue". A leveza de pular de vida em vida. Essa ideia de leveza anti-complicações esquece de levar em conta que a vida que vale a pena é a que se passa resolvendo essas complicações. Isentar-se delas é tentar passar de estágio vencendo o Bowser pelo cansaço. 

 O que faz de nós seres tão complexos, e em conseguinte tão complexados em simplificar a vida? Estamos o tempo todo tentando podar o desnecessário, "o dramalhão",  e sem querer podando o essencial. Existe uma certa repugnância geral  ao sentimentalismo, a tudo que não seja "leve". Essa palavra é carregada de muitos equívocos. Hoje em dia lemas de vida são moldados nessa ideia de que ser leve é o contrario positivo do pesar. E se eu disser que é o contrario?  Olhar de lado para o "sentimental" é ter uma aversão ao ser humano na sua essência mais pura.  Engana-se muito quem pensa o contrario. Somos puro sentimentalismo e ignorar esse fato é o que nos torna mais doentes e perdidos a cada dia. O ser humano pesa, da maneira mais bonita. Repassando em  palavras o que kundera certamente diria: a leveza é a ausência de peso ,sendo assim, nos torna aos poucos cada vez mais insignificantes.

Tudo a respeito de "gente" é confuso, complexo, feio e bonito ao mesmo tempo, somos ou não somos um belo quebra-cabeça? Existe vários tipos de pessoas no mundo, várias "tribos", mas existe apenas dois tipos de seres humanos, os que pesam e os que não.  Sobre os que pesam: Eles guardaram dentro de si a essência primal do homem. Cresceram com essa ânsia insaciável dentro do peito, são os nossos "wether's" do mundo civilizado, tentando lidar com o peso que o mundo lhes impõe. Eu gosto de pensar que esse homem primal, esse ser humano não modificado em espírito, pela necessidade de leveza do mundo, não se trata do Homo sapiens sapiens, mas sim do homo sentimentalis, de kundera. Nascemos sentimento, viramos seres humanos com o tempo. Isso pode ser facilmente comprovado ao olhar uma criança magoada por uma palavra, que para nós "adultos"( seres que concluíram a evolução), parece bobagem, mas pra quem ainda permanece no estagio de sentimento, corta o coração. Esse estar no ringue com a vida, nos torna mais homens e menos sentimento. E há quem veja nesse "dessentimentalizar" uma positiva leveza.

 Aí vem o segundo tipo, os mais leves que o ar: essa frase inicial, pode parecer de certo modo positiva. Acredito que muita gente - inclusive eu- gostaria de saber como se sente alguém que não tem todo esse ansiar pela vida dentro de si. Mas como já disse : ser humano é paradoxo. A leveza é como uma coisa que se almeja, mas que quanto mais você tem, menos você é. Um momento de leveza é como um renascer, como enxergar num mundo velho, e estragado um mundo novinho e sem temores. Uma vida inteira de leveza é passar pela vida, e não viver de fato.

Existe um poema de Walt whitman que eu gosto muito e que retrata exatamente o que é estar entre esses dois mundos, intitulado "carpe diem!" uma frase do latim que significa : "Aproveite o dia!" É incrível como uma só frase ensina tanto. No mundo atual na era das redes sociais pode-se facilmente achar essa frase erroneamente associada a uma leveza vã. Entretanto ela se dirige como uma flecha aos que pesam.

A primeira frase do poema diz: " Do not let the day end without having grow a bit." ( traduzindo: "Não deixe que o dia termine sem teres crescido um pouco."  Nessa frase whitman nos chama a atenção para um outro tipo de seres humanos, os Homo sapiens sentimentalis ( cientistas acharão isso uma aberração, mas a licença poética me permite chama-los assim):  É uma junção desses dois tipos de pessoas, é como um peso-leve no ringue da vida.  São os que oscilam entre o peso e a leveza constantemente. Como diria Whitman são os que aproveitam o pânico que é ter a vida inteira pela frente e vivem intensamente, sem mediocridade.

A eterna busca humana é por essa linha tênue, é elevar-se ao estágio de Homo sapiens sentimentalis, e não estar na leveza medíocre e muito menos num pesar "Wertheriano". É encontrar o segredo que nos guie até esse estágio de evolução que é viver intensamente, sem mediocridade.



" Sentiu um peso, mas não era o peso do fardo e sim a insustentável leveza do ser..." - Milan kundera


-Texto inspirado  no livro " A insustentável leveza do ser" - Milan Kundera

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Sumi, Sumo e Sumiria...



Eu sumi, como desde o início sabia que faria quando,enfim, aquilo tudo terminasse. E eu sabia que terminaria tão rápido como começou. Assim que os olhos dele bateram nos meus, eu soube que dali a um tempo eu desmoronaria aos poucos, como uma geleira. Os meus olhos encontravam nos dele o que eu não buscava. Aí estava exposto, aos meus olhos, um misterioso acaso. O que eu não sabia era que o "acaso" apenas era para mim, pois os dele encontravam nos meus o objeto de uma procura vã, um escape. Eu era o band-aid num corte conseguido numa folha de papel, daqueles que doem e ardem muito no começo, mas que logo passam, sem deixar sequelas. Quando a cura enfim chega, o band-aid não é mais necessário. 

Ele representou bem, mas com o tempo eu percebi que os olhos dele velavam por outra pessoa, e que seu coração sofria uma dor de perda. Mesmo quando ele negava veementemente esse fato, e principalmente por essa veemência tão decidida, eu entendia o aviso: Recuar. A cada silêncio prolongado, lado a lado, eu lia no teto : Recuar. A palavra me perseguia dia e noite, um letreiro luminoso piscando insistentemente. Eu sempre vi uma certa nobreza no amor, nesse amor que sofre pelo outro, que procura na multidão por aquele par de olhos que fazem o coração disparar e a respiração arfar. Sempre imaginei ser assim o amor que se vale a pena viver. E eu que sempre me atribui tantas qualidades, tantos aspectos interessantes e cativantes, me via no meio de um fogo cruzado de olhares no meio de um show. Separados pela névoa estavam três corações. E onde tem três um sempre sai perdendo. De fato. 

A teimosia é o pior dos defeitos, é algo de que eu tenho certeza, pois briga com a razão e inventa desculpas esfarrapadas para mascarar a realidade que por ser dura dói quando jogada na cara, enquanto a gente vira o rosto freneticamente para os lados para não ter que encarar e sentir a verdade. Bebi até a última gota de álcool que o meu corpo conseguia sustentar, e a noite passou num flash. Mas o sentimento daquela noite ficou martelando, a dignidade e o amor próprio, já sentimentos desfocados aquela altura, martelavam de um lado, enquanto a teimosia martelava do outro. É como a metáfora do anjo do bem e o anjo do mau, sentados um em cada ombro, aconselhando e desaconselhando simultaneamente. 

 Para tudo que passamos na vida temos um momento "anjo do bem/anjo do mau", e quando queremos culpar o universo por certas burradas super humanas, ignoramos o fato de que nós escolhemos seguir o conselho vindo do ombro errado e inebriados pela névoa amorosa, nos deixamos levar num caminho arriscado. Apostando todas as fichas numa banca falida. Mas o que seria da vida sem riscos? Não podemos nos isentar da culpa, muito menos estamos imunes aos "finais não planejados" da vida. A única coisa que podemos fazer é entrar de corpo e alma, que é a única maneira honesta de entrar na vida de alguém, com os dois pés e lidar com o resultado da melhor maneira possível. Seja qual for. Foi o que eu fiz. 

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Filme: Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual


Para quem está aí se perguntando: " whatahell é Medianeras?" Bem, eu tenho que confessar que sempre vi esse filme com curiosidade, porém desinteresse. A capa colorida com uma multidão estampada e um nome preto, me dava um pouco de agonia. Mas, um dia alguém me perguntou: " - Esse filme "medianeras" já viu? O que é que significa "Medianeras?" Eu não fazia a mínima ideia, apesar de ter me perguntado várias vezes sobre o que seria, nunca tinha tido a iniciativa de procurar. Mas, nesse dia eu cheguei em casa e fui pesquisar o que diabos era isso. E descobri com a ajuda do google, óbvio, que são nada mais, nada menos que as partes laterais de alguns prédios, destinadas as propagandas, que por serem de frente com a medianera do outro prédio não se podem abrir janelas.  Depois de descobrir sobre a temática do filme, não podia deixar de assistir. E adorei. Vou tentar passar um pouco do sentimento desse filme. Ah! E uma coisa muito importante : Não desista de assistir na introdução. Esse filme é daqueles que começam com poucas expectativas e num certo momento mudam totalmente e te cola na tela. Fica difícil desapegar.


Filme: Medianeras
Ano: 2011
Duração : 1:33:48 min
Diretor e Roteirista: Gustavo Taretto
Elenco:   Javier Drolas
                Pilar López Ayala
                Inés Efron
                Carla Peterson
Gênero: Drama/Romance


" Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade super povoada num país deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de prédios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo. Ao lado de um racionalista, tem um racional. Ao lado de um em estilo francês, tem um sem estilo.
Provavelmente essas irregularidades nos refletem perfeitamente. Irregularidades estéticas e éticas.
Esses prédios, que se sucedem sem lógica demonstram total falta de planejamento, exatamente assim é a nossa vida. Que construímos sem saber como queremos que fique. Vivemos como quem está de passagem por Buenos Aires. Somos criadores da cultura do inquilino. Prédios menores para dar lugar a outros prédios, ainda menores. Os apartamentos se medem por cômodos, vão daqueles excepcionais, com sacada, sala de recreação, quarto de empregada e depósito, até a quitinete, ou " caixa de sapato".
 Os prédios, como muita coisa pensada pelos homens, servem para diferenciar uns dos outros.  Existe a frente e existe o fundo. Andares altos e baixos. Os privilegiados são identificados pela letra A, às vezes B. Quanto mais à frente no alfabeto, pior o apartamento.  Vista e claridade são promessas que poucas vezes se concretizam.
O que esperar de uma cidade que  dá as costas ao seu rio?
É certeza que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo, são culpa dos arquitetos e incorporadores. Esses males, exceto o suicídio, todos me acometem."
- introdução do filme.


Medianeras retrata a vida na Buenos Aires moderna. Como a arquitetura e a modernidade, se mescla no cotidiano e influencia o comportamento humano, afasta os corpos e cria uma barreira comunicativa entre as pessoas ao invés de uni-las como deveria. Através dos olhos e do cotidiano dos dois personagens, ponderamos sobre o amor na era virtual.

Martim ( Javier Drolas), web designer, fóbico, hipocondríaco. Ao primeiro olhar parece pouquíssimo atraente, depressivo, e problemático. MAS, com um pouco mais de atenção pode-se ver que não se trata de alguém extremamente avarento e triste, trata-se apenas de alguém acometido pelo Karma que é estar numa cidade super povoada e ao mesmo tempo deserta. Deserta de afeto. A solidão urbana. Martim foi pego pelo desalento, abandonado pela namorada, se isolou do mundo ( O abandono é o pior dos maus tratos, traumatiza mesmo.), junto com a susú, a cadelinha , igualmente abandonada e igualmente deprimida, tenta aos poucos resgatar as forças para voltar a ver o mundo com bons olhos.

"Com a estratégia do psiquiatra, fui perdendo o medo da cidade, do mundo lá fora, dos outros. Tirar fotos. Um jeito de redescobrir a cidade e as pessoas. Procurar a beleza mesmo onde ela não existe.
Observar é estar e não estar ou talvez estar de um jeito diferente..."

"Eu sentei dez anos atrás na frente do meu computador e sinto que nunca mais levantei."

Mariana ( Pilar López de Ayala), arquiteta, vitrinista, solitária, claustrofóbica,  medo de multidões, fala com um manequim. Mariana, vive num caos existencial completo. É arquiteta, mas não consegue criar nada depois de terminar um relacionamento de 4 anos. Bloqueada, depressiva, vivendo no automático ela vai levando a vida em tons de cinza. Vive uma vida introspectiva no seu próprio universo, Mas com certa noção de pertencimento.

" Se bem que o planetário me põe mais no meu lugar. Lembro que o mundo não gira ao meu redor, que sou uma parte muito pequena de um planeta, que faz parte de um sistema, que faz parte de uma galáxia, que, como milhares de galáxias, faz parte do universo. Isso me lembra que sou parte de um todo... Infinito e eterno..."

 Seu apartamento está abarrotado pelas coisas geradas pelo fim de um relacionamento de 4 anos, que ela reluta por se desfazer. Presa a Anos na mesma página do livro " onde está wally", segundo ela a cidade é o lugar mais difícil de se encontrar as coisas. O caos da cidade e o nervosismo da procura cega.

"Então me pergunto: Se, mesmo sabendo quem eu procuro, não consigo achar, como vou achar quem eu procuro se nem sei como é?"


E quem sabe responder essa? Nesse momento o caos, e a culpabilidade dos arquitetos e construtores nas mazelas sociais e existenciais, abre espaço para uma temática mais romântica: A eterna busca do amor em meio ao caos da modernidade, na era das relações vãs, e como diria Milan Kundera na era dos amores risíveis.

Martim e Mariana, são o que romanticamente gostamos de chamar de almas gêmeas. Duas almas perdidas na cidade, no meio de milhares e milhares de outros pares trocados. Para sorte deles o ser humanos nunca desiste da busca, quando se trata de amor. Mesmo que nessa busca precise esbarrar em algumas propagandas enganosas, nos famigerados "encontros". Segundo Martim cada encontro é para ele como uma visita ao Mcdonald's.

" Concluí que esses encontros são como combos do Mcdonald's. nas fotos, é tudo melhor, maior e mais apetitoso. Cada vez que vou a um encontro, tenho a mesma decepção que vem diante de um BigMac..."

(Quem nunca?!)

O desenrolar do filme é  a cerca desses dois personagens, e de como eles estão tão perto e ao mesmo tempo tão separados pelas muralhas da cidade. Pelos prédios e as suas medianeras.  E em como as pessoas estão tão vidradas nelas mesmas que não param para olhar ao redor. É exatamente essa individualidade excessiva que cria no expectador uma certa angústia, quando os dois personagens de cruzam pelas ruas, de novo e de novo.  Se cruzam inúmeras vezes e não se enxergam e nem poderiam, levando em consideração que suas janelas estavam fechadas para o mundo. 



Na vida as vezes vamos entrando tão fundo dentro de nós mesmos que não sobra nem uma brechinha do mundo exterior, todas as janelas são fechadas e ficamos apenas com a lembrança e com um mau pressentimento sobre tudo. Porém, chega uma hora que devemos abrir janelas e deixar os flashes de luz entrarem devagar. É assim em Medianeras, o caos da atualidade, as multidões, os problemas, as decepções, a arquitetura desconexa, que oprime e distância as pessoas, fazem pressão no mundo de Martim e Mariana, e ao mesmo tempo esses mesmos fatores os aproximam. Mariana na busca pelo seu wally, no meio da multidão. Martim, com sua estratégia de superar seus medos. Os dois individualmente vão enfrentando suas lutas, até não precisarem mais.



Não é um filme extremamente romântico e nem extremamente dramático. É um filme sutil, que tenta retratar as relações humanas em tempos difíceis. Eu não preciso dizer que SUPER RECOMENDO, porque acho que já está bem claro. Assistam e amem! Com certeza esse vai para a minha estante de favoritos, ainda vou assistir umas 50 vezes. Espero que tenham gostado! Podem deixar seus comentários. Beijos! :)




sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Resenha: Tomboy


Diretor: Céline Sciamma

Elenco: Zoé Héran
             Malonn Levana
             Jeanne Disson
             Sophie Cattani
             Mathieu Demy

Tomboy é uma expressão que quer dizer " mulher-homem", o filme recebe esse nome, por se tratar da história de uma menina  de dez anos, chamada Laure, que não se identifica com o seu gênero. Ela tem trejeitos, comportamento e se vê como um garoto. A família se muda bastante em prol do trabalho do "Pai". Na trama encontramos uma família extremamente amorosa, as duas filhas, a mãe grávida e o pai, que mesmo trabalhando se faz presente sempre que pode. Nessa esfera de amor, a família se vê numa situação complicada: A filha mais velha ( Laure), se veste e se comporta como um garotinho. Apesar da estranheza da situação, a família administra bem essa peculiaridade da criança e age com naturalidade como se fosse uma brincadeira de criança que logo iria cansar e acabar. Porém, para Laure, não era apenas uma brincadeira. Ela estava gritando para o mundo o seu verdadeiro "eu". 

Quando a questão da sexualidade e identidade de gênero se torna um assunto real, numa família? A menina vai cada vez mais se desfazendo dos pudores de seu gênero de nascimento e assumindo a identidade que enxerga ao olhar-se no espelho.


 Nesse ponto do filme, ficamos um pouco relutantes, nossos próprios preconceitos e verdades pré-estabelecidas começam a se debater dentro da gente. Começamos a questionar a forma como somos feitos de pré-concepções, que nos são repassadas todos os dias, desde que conhecemos o mundo pela primeira vez, e pensar: e se... E se as pessoas pudessem escolher livremente o que quisessem ser e quem deveriam amar? Como seria esse mundo livre de preconceitos?

Em certo momento Laure, não é mais Laure, e sim Michael. O irmão mais velho de Jeanne e parte do grupo do bairro. Ao receber uma visita inesperada a mãe de Laure, descobre toda a farsa e decide desmascarar a garota. Num instinto protetor de mãe, claro, coloca um vestido e a obriga a acompanha-la a casa de seus amigos. A exposição da garota nos deixa compadecidos, e na hora nos faz questionar novamente, sobre como a sociedade está despreparada para lidar com o assunto. Na mãe de Laure nós enxergamos a imposição social e histórica : "quem nasce mulher, nunca será homem!" ( ou vise e versa ). A sociedade nos coloca vestidos a força o tempo todo, não só nessa questão.

A trama termina sem um grande desfecho, mas deixa um sentimento e muitos questionamentos. Um filme extremamente reflexivo, critico, amargo e doce. Independente de opiniões e ascendências religiosas é recomendável assistir ! :)


           

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Sinopse e Resenha : A imortalidade - Milan Kundera





Título: A Imortalidade
Editora:  Companhia das Letras
Autor: Milan Kundera
Páginas: 406


Sinopse:



" Na  minha mocidade ( prosseguiu Hemingway), era um galo, gostava de me mostrar. Regalava-me com as histórias que contavam a meu respeito. Mas creia-me, por mais vaidoso que fosse, não era um monstro e não sonhava absolutamente com a imortalidade! No dia em que compreendi que era justamente ela que me espreitava, entrei em pânico. Cem vezes implorei às pessoas que não se metessem na minha vida. Mas, quanto mais implorava, pior era. instalei-me em Cuba para escapar delas. Quando me deram o prêmio Nobel, recusei-me a ir a Estocolmo. Estava pouco ligando para a imortalidade, e direi ainda mais: o dia em que constatei que ela me abraçava, o horror que senti foi pior do que o horror da morte. O homem pode pôr fim à sua vida: mas não pode pôr fim à sua imortalidade."



Resenha:

O que falar de um cara que consegue juntar dois grandes nomes da literatura mundial numa só narrativa, e criar um diálogo que em nossas mentes moldadas pelos limites da humanidade, nunca poderia acontecer. Porém ... quando se propõe falar sobre imortalidade, nada melhor do que dois "imortais" para explicar ao leitor como funciona a transição.

Primeiro eu tenho que falar que Milan Kundera é o melhor escritor que já li, e a imortalidade se tornou o meu livro predileto. Não por ser intelectual ( o que é, em incontáveis aspectos), mas porque ele é intelectual de uma forma não complicada. Kundera leva a narrativa de uma forma leve, nos envolvendo e explicando sem palavras grandes - e necessidade de ter um dicionário ao lado. Esse livro foi o primeiro escrito por ele que eu li. E o que mais me prendeu a leitura foi o fato dele falar de muitos assuntos, mas principalmente dele focar no assunto mais importante nesses dias efêmeros onde ganhamos e damos tão pouca atenção ao outro, Ele fala sobre PESSOAS. Dizem que nós escrevemos melhor sobre o que nós sabemos bem, e qual o assunto que o ser humano pode ter melhor desenvoltura do que sobre ele mesmo? Kundera faz isso magistralmente.

Essa eletricidade do mundo atual, onde tudo é tão sem importância, o ser humano como ele é, é o que menos ganha a atenção do mundo. Quem repararia num gesto direcionado por uma mulher de sessenta anos ao seu professor de hidroginástica? Pois é, há tantos aspectos e maneiras que as pessoas escolhem para tentar ser vistas pelo mundo - sobretudo os jovens- aos quais uma mulher de cinquenta anos não poderia recorrer sem parecer a " tia louca". Kundera mostra que a simplicidade de um gesto pode trazer de volta anos a fio. Pode-se encontrar a moça numa senhora apenas observando por alguns minutos e se abstendo das pré-concepções da sociedade. Um acaso pode nos trazer muitas experiências.

Uma citação explicará melhor, lembrando que esse é um dos meus trechos prediletos, da vida:

"... Uns quatro ou cinco metros, virou a cabeça para ele, sorriu e fez um gesto com a mão. Meu coração apertou-se. Esse sorriso, esse gesto, eram de uma mulher de 20 anos! Sua mão tinha girado no ar com uma leveza encantadora. Como se, brincando, ela jogasse ao seu amante um balão colorido. Esse sorriso e esse gesto eram cheios de encanto, enquanto o rosto e o corpo não o eram mais.. Era o encanto de um gesto sufocado no não encanto do corpo. Mas a mulher, mesmo que soubesse que não era mais bonita, esqueceu isso naquele momento. Por uma certa parte de nós mesmos, vivemos todos além do tempo. Talvez só tomemos consciência de nossa idade em certos momentos excepcionais, sendo, na maior parte do tempo, uns sem-idade..."

Deu pra sentir? Pois é. A forma como kundera desconstrói todas as nossas pré-concepções sobre as pessoas, nos faz olhar diferente pra quem está ao redor. Quando ele extrai de uma senhora a delicadeza de uma moça, ele também nos faz questionar o porque sempre olhamos para uma senhora (ou senhor) de sessenta anos como moribundos. Kundera grita " ELES CONTINUAM SENDO PESSOAS!" o fato da sociedade ignorar isso é o que os torna moribundos. Estamos tão acostumados em pensar que com os anos passa-se também a vida que nunca paramos para pensar que pessoas com idade avançada, continuam tão pessoas por dentro quanto eram aos 15 anos. A alma não envelhece. A imortalidade, é tão cheio de trechos importantes- daqueles que a gente tem vontade de escrever em algum lugar para guardar e achar facilmente.- que se fossemos nos deixar levar pelo impulso copiaríamos todo o volume.
Uma certeza : A imortalidade de Milan Kundera é um livro de notas para ser levado para a vida inteira. E eu sei que parece um pouco exagerado, mas assim que você ler, vai entender a minha euforia. Com um gesto, conhecemos a primeira personagem do romance, Ágnes. 

Ágnes é uma mulher centrada, bem casada, com um homem que a ama perdidamente, e com uma filha linda. Tudo que alguém poderia querer na vida: uma vida como a de Ágnes. Porém, Ágnes tinha esse lado aventureiro, esse desejo de liberdade insaciável que a impedia de se sentir a " mulher de sorte". E quem culparia Ágnes? Eu sei, muitas pessoas. Porque o mundo de hoje é tão cheio de julgadores que a colocariam numa cruz em dois tempos. Segundo as regras uma mulher sensata desistiria imediatamente de seus desejos individuais para o bem do sonho coletivo. Quando se é mãe e esposa, sua vida está automaticamente no modo "pausa", nada que seja individualidade é mais importante do que o bem geral da família. E ágnes entendia isso muito bem, e tentava ser a mulher perfeita, e tentou por anos, mas o desejo continuava ali. Eu conheço muitas Ágnes.

Nesse livro você é presenteado com uma pessoa, e é lhe dito : observe! Você olha por todos os ângulos, e tem alguém ao seu lado explicando todos os aspectos da vida dessa "pessoa protótipo". Com a ajuda do narrador você começa a questionar e colocar tantas outras pessoas sob a luz "kunderiana", e pensar que o mundo seria tão melhor se houvessem mais observadores e menos semi-deuses. É muito difícil fazer uma resenha de um livro assim, porque são tantos aspectos a serem explorados que sinto que vou escrever dez páginas.

No capitulo " o rosto", ele fala de gestos, individualidade, Deus ou computador cósmico ( como queira chamar), fala sobre rostos e essência, sobre como nosso rosto deve representar nosso "eu" e que sem essa prévia identificação não poderíamos viver, porque essa ilusão de que somos um ser único e inimitável é o que nos faz ter uma visão apaixonada pela vida, e assim continuar vivendo. Nesse volume temos Ágnes, a personagem que nasceu a partir de um gesto assim como eva nasceu da costela de adão, portanto a principal; Paul, o marido apaixonado do começo ao fim; Laura, A irmã com um quê lúdico, louca, incompreensível e as vezes até compreensível olhando com um olhar poético. Laura era intensa, e via na intensidade a verdade. Para ela não existia verdade na passividade, tudo deveria ser vivido sem reservas. Apesar da instabilidade emocional que isso trás, não pode-se descartar o fato de que é um bonito pensamento. Já paul era contido, reservado, feliz com o que tinha, era a figura da passividade, porém observando por mais uns segundos pode-se encontrar em paul aspectos do garoto no homem.

A narrativa de kundera é sem dúvida para ser sentida e não para ser explicada. Eu gostaria de fazer uma análise extensa sobre cada personagem da narrativa, porque todos são tão característicos e cheios de humanidade - digo humanidade no sentido de não serem embelezados pela luz poética-, sinto que posso sair de casa e encontrar uma Ágnes ao virar a esquina, assim como sinto que posso já ter visto várias ou até mesmo que eu também sou um pouco Ágnes, e também um pouco Laura. Isso é o que mais me deixa eufórica sobre os livros desse homem chamado Milan Kundera, me espanta ele conhecer GENTE tão bem, ele cria um personagem que na verdade são tantas pessoas agrupadas numa só, lhe dá uma verdade e faz o leitor crer nessa verdade, fico até com medo de que seja tudo ficção.

Resumindo: LEIAM, LEIAM E LEIAM!!! Milan kundera além de ter um nome estiloso, ele escreve livros de cabeceira e não livros de estante. falo isso com propriedade porque fazem três meses que o meu está ao lado da cama. haha espero que tenham gostado! Esse livro é digno de um clube do livro. beijosmil!! :)

domingo, 31 de janeiro de 2016

Viver é Metamorfosear!

No começo da vida - se é que posso chamar de começo- , quando nos damos conta que estamos sozinhos no mundo e que somos responsáveis pelos nossos próprios problemas e os únicos capazes de encontrar soluções para eles, percebemos que a idealização que fazemos da vida na infância e na adolescência não passa de uma grande ilusão. Não quero dramatizar, apenas constatar. Vivemos por muito tempo à sombra de um cuidado e de um zelo que sustenta o mundo sobre as nossas cabeças para que sintamos menos o peso do mundo nas costas. A medida que vamos crescendo esse peso vai caindo levemente sobre os nossos ombros, enquanto protestamos insistentemente para que ele volte de onde veio. Crescer é um protestar infinito.

Chega uma hora que a vida deixa de ser leve, que as coisas demoram muito mais para serem esquecidas, e as relações são muito mais complexas. Chega um momento que as festas, os amores, os prazeres efêmeros, tornam-se mais perca de tempo que uma forma de desafogar a alma. Isso não quer dizer que estamos amargurando, isso nos diz apenas que estamos amadurecendo, que "a farra acabou", e que alguém tem que acordar pra vida. Nesses dias nós vamos nos perguntar quem nós somos, e o que viemos fazer nesse mundo desconexo. Vamos revisar nossas metas e questionar nossas certezas - se houver certezas a essa altura. O que ás vezes tem, e muito!- Nós vamos parar e refletir sobre como o tempo muda e revela, como ele nos molda, nos faz crescer - ou não. 

Com o tempo as coisas mais simples ganham mais importância, acima do fútil. E as responsabilidades se transformam em contrapeso nas nossas pálpebras. Nos forçando a lutar com o nosso próprio corpo, e ao mesmo tempo com o nosso intimo para fazer as coisas voltarem aos trilhos.

Tem algo de muito bonito em relação ao tempo e a vida, que é ver como as pessoas ao nosso redor evoluíram - torno a dizer: ou não... - e como elas lidaram com os problemas, com as responsabilidades, e como conseguiram transformar  madeira em carvão, e alimentar a locomotiva da vida adiante. Mesmo com todas as dificuldades que sabemos que a vida não economiza em apresentar. E apesar de todas as expectativas não correspondidas, sonhos adiados, como é bonito ver quem a gente quer o bem, crescer, e ser,  mesmo que a vida não tenha seguido de acordo com os planos.

Outra certeza que o tempo nos dá: Não podemos planejar a vida completamente. Somos as lagartas que sabem que chegará um tempo que precisaremos virar pupa e que para isso precisamos nos manter fortes e seguir no caminho da metamorfose, até que lá na frente tenhamos um futuro de borboleta. Vamos fazendo metas, para seguir no destino alado, mas o que acontece entre a lagarta e a borboleta, isso, não podemos controlar. A vida se encarrega.

E em algum lugar dentro de nós,  está aquela pequena luzinha que brilha fraquinha, mas que ainda brilha, nos dizendo que ainda há luz, e que por mais que todos os problemas que a vida nos mostre, todo o desconforto que a alma sente enquanto tenta se encaixar dentro do corpo, apesar de tudo, ainda podemos mudar e melhorar. 

Mudança é sinônimo de melhora. Começo a pensar assim. Que toda a mudança que fazemos para lidar melhor com a vida e com o mundo, é sem dúvida um primeiro passo em direção do "acertar".  E assim como crescer é um protestar infinito, viver é o contrário. Viver é um descruzar de braços, e duas mãos no arado. Só começamos a viver quando desistimos de fazer birra e assumimos que aquele destino enevoado lá na frente a que chamamos de "futuro", depende somente de nós.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Resenha: "As aventuras de Alice no País das Maravilhas" - Lewis Carroll

Oi genteeee! Depois de praticamente dois meses, aqui estou eu novamente. Fiz uma meta de leitura esse ano para não abandonar de vez esse lindo espaço ( eu amo escrever para vocês, mesmo que esse "vocês" geralmente seja a minha mãe! kkkk). Voltando... A correria do dia a dia tem me deixado um pouco longe dos livros, por isso declarei guerra e decidi que vou ler 20 livros esse ano ( eu sei que muitos de vocês leem muito mais, haha, porém na minha situação isso é bastante!). O primeiro livro foi "Cidades de papel" do John Green. O segundo vai ser "Aventuras de Alice no País das Maravilhas"( só eu achava que era apenas "Alice no país das maravilhas"?) , de Lewis Carroll. Porque eu comprei um livrinho lindo, de capa dura, e com ILUSTRAÇÕES *--------*,  que contém as duas histórias de Alice, essa e "Através do espelho e o que Alice encontrou lá", que vai ser o terceiro livro que vou ler e resenhar para vocês.( vou colocar a "fotinha" dele aqui). Bem vamos deixar de blá, blá, blá e mãos a obra!



Título: Aventuras de Alice no País das Maravilhas
Editora:  Zahar
Autor: Lewis Carroll
Páginas: 149 


RESENHA :

Quantas histórias nós conhecemos por serem clássicas e todo mundo saber decorado do começo ao fim, mas que nunca lemos de fato? Foi isso que me levou a essa aventura por uma terra desconhecida chamado "País das Maravilhas", junto com uma menininha curiosa e travessa e um locutor muito sagaz, que tem uma mente tão imaginativa como nenhuma outra. Sem dúvida Lewis Carroll leva o prêmio de escritor mais "Maluquinho" que eu já li. As Aventuras de Alice pelo país das maravilhas é incrivelmente inusitada, entre Coelhos falantes e constantemente atrasados, um tribunal cheio de incríveis e estranhas criaturas e uma côrte de peças de xadrez. Tudo é sem dúvida uma desconstrução total do que se é esperado. É exatamente como ele adianta no pequeno versinho no começo do livro, que eu achei muito bonitinho e por isso vou transcrever aqui. :)

"Juntos Naquela tarde dourada
Deslizávamos em doce vagar,
Pois eram braços pequenos, ineptos,
Que iam os remos a manobrar,
Enquanto Mãozinhas fingiam apenas
O percurso do barco determinar.
 
Ah, Cruéis Três! Naquele preguiçar,
Sob um tempo ameno, estival,
Implorar uma história, e de tão leve alento
Que sequer uma pluma pudesse soprar!
Mas que pode uma pobre voz
contra três línguas a trabalhar?
 
Imperiosa, Prima estabelece:
"Começar Já" ; enquanto secunda,
Mais brandamente, encarece:
"Que não tenha pé nem cabeça!"
E Tertia um ror de palpites oferece,
Mas só um a cada minuto.
 
Depois, por súbito silêncio tomadas,
Vão em fantasia perseguindo
A Criança-sonho em sua jornada
Por uma terra nova e encantada [...] 
Só uma partezinha dá para entender a obrigatoriedade dessa leitura. Sem dúvida é "sem pé nem cabeça", O livro tem um sentido único, ele inventa e se explica sozinho. E quem assistiu a mais recente adaptação para o cinema e achou muito "Dark", acredite o livro não é nada do que as adaptações infantis vendem. Dá muito o que pensar. Quem já se perguntou : "Gatos comem Morcegos?" ou "Morcegos comem gatos?" Pois é.
Alice mergulha num mundo extraordinário, onde tudo é possível, até mesmo encolher feito um telescópio. E sendo Alice uma menina muito astuta e questionadora, nos dá muito o que martelar. haha  Depois de um bom tempo de monólogo, ela  mergulha numa lagoa de lágrimas ( dela mesma), e encontra várias criaturas que promovem uma "corrida maluca". Depois esbarra com uma lagarta que fuma, e entra numa discussão um tanto quanto filosófica:

Lagarta :  "Quem é você?"
Alice: "Eu... eu mal sei, Sir, neste exato momento... pelo menos sei quem eu era quando me levantei esta manhã, mas acho que já passei por várias mudanças desde então."
Depois da lagarta que deu a Alice muito o que pensar, ela esbarra com um gato de cheshire, um bebê que vira porco e um pessoal meio maluco. E numa dessas esbarradas pergunta muito polidamente ao Gato sorridente:

Alice :"Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?"
Gato de cheshire: " Depende Bastante de onde quer ir"
Alice : " Não importa muito para onde"
Gato de cheshire : "Então não importa que caminho tome."
 Mais a frente encontra uma lebre de março e um  chapeleiro Maluco ( você já deve percebido que tem muita gente biruta nessa história. haha), presos na hora do chá por um relógio que nunca sai das cinco horas.  Depois com uma rainha tirana que tem por hobbie mandar cortar as cabeças alheias. E por fim depois de tantas aventuras acaba num julgamento antecipado, onde primeiro é condenado e depois é acusado. E estando cansada, imagino eu, de tanta andança acorda abaixo da árvore ao lado de sua irmã e da sua gatinha Dinah.

É isso gente, espero que leiam, porque vale a pena, não é a toa que é chamado de Clássico e permanece firme mesmo depois de tanto tempo. Recomendo muuuito, esse maluquinho desse Carroll. beijos mil!