segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Leveza - Peso



Em toda a minha vida tive uma frase recorrente sempre que penso na vida, e nas relações : " difícil essa coisa de lidar com o outro, né?!"  O ser humano é a criatura mais complicada que o mundo já viu. Tem gente que diz que não, que vive  uma vida leve, e não complica coisas simples, como relacionamento por exemplo. Que quando o amor acaba, termina e ponto e pula para outra, porque "vida que segue". A leveza de pular de vida em vida. Essa ideia de leveza anti-complicações esquece de levar em conta que a vida que vale a pena é a que se passa resolvendo essas complicações. Isentar-se delas é tentar passar de estágio vencendo o Bowser pelo cansaço. 

 O que faz de nós seres tão complexos, e em conseguinte tão complexados em simplificar a vida? Estamos o tempo todo tentando podar o desnecessário, "o dramalhão",  e sem querer podando o essencial. Existe uma certa repugnância geral  ao sentimentalismo, a tudo que não seja "leve". Essa palavra é carregada de muitos equívocos. Hoje em dia lemas de vida são moldados nessa ideia de que ser leve é o contrario positivo do pesar. E se eu disser que é o contrario?  Olhar de lado para o "sentimental" é ter uma aversão ao ser humano na sua essência mais pura.  Engana-se muito quem pensa o contrario. Somos puro sentimentalismo e ignorar esse fato é o que nos torna mais doentes e perdidos a cada dia. O ser humano pesa, da maneira mais bonita. Repassando em  palavras o que kundera certamente diria: a leveza é a ausência de peso ,sendo assim, nos torna aos poucos cada vez mais insignificantes.

Tudo a respeito de "gente" é confuso, complexo, feio e bonito ao mesmo tempo, somos ou não somos um belo quebra-cabeça? Existe vários tipos de pessoas no mundo, várias "tribos", mas existe apenas dois tipos de seres humanos, os que pesam e os que não.  Sobre os que pesam: Eles guardaram dentro de si a essência primal do homem. Cresceram com essa ânsia insaciável dentro do peito, são os nossos "wether's" do mundo civilizado, tentando lidar com o peso que o mundo lhes impõe. Eu gosto de pensar que esse homem primal, esse ser humano não modificado em espírito, pela necessidade de leveza do mundo, não se trata do Homo sapiens sapiens, mas sim do homo sentimentalis, de kundera. Nascemos sentimento, viramos seres humanos com o tempo. Isso pode ser facilmente comprovado ao olhar uma criança magoada por uma palavra, que para nós "adultos"( seres que concluíram a evolução), parece bobagem, mas pra quem ainda permanece no estagio de sentimento, corta o coração. Esse estar no ringue com a vida, nos torna mais homens e menos sentimento. E há quem veja nesse "dessentimentalizar" uma positiva leveza.

 Aí vem o segundo tipo, os mais leves que o ar: essa frase inicial, pode parecer de certo modo positiva. Acredito que muita gente - inclusive eu- gostaria de saber como se sente alguém que não tem todo esse ansiar pela vida dentro de si. Mas como já disse : ser humano é paradoxo. A leveza é como uma coisa que se almeja, mas que quanto mais você tem, menos você é. Um momento de leveza é como um renascer, como enxergar num mundo velho, e estragado um mundo novinho e sem temores. Uma vida inteira de leveza é passar pela vida, e não viver de fato.

Existe um poema de Walt whitman que eu gosto muito e que retrata exatamente o que é estar entre esses dois mundos, intitulado "carpe diem!" uma frase do latim que significa : "Aproveite o dia!" É incrível como uma só frase ensina tanto. No mundo atual na era das redes sociais pode-se facilmente achar essa frase erroneamente associada a uma leveza vã. Entretanto ela se dirige como uma flecha aos que pesam.

A primeira frase do poema diz: " Do not let the day end without having grow a bit." ( traduzindo: "Não deixe que o dia termine sem teres crescido um pouco."  Nessa frase whitman nos chama a atenção para um outro tipo de seres humanos, os Homo sapiens sentimentalis ( cientistas acharão isso uma aberração, mas a licença poética me permite chama-los assim):  É uma junção desses dois tipos de pessoas, é como um peso-leve no ringue da vida.  São os que oscilam entre o peso e a leveza constantemente. Como diria Whitman são os que aproveitam o pânico que é ter a vida inteira pela frente e vivem intensamente, sem mediocridade.

A eterna busca humana é por essa linha tênue, é elevar-se ao estágio de Homo sapiens sentimentalis, e não estar na leveza medíocre e muito menos num pesar "Wertheriano". É encontrar o segredo que nos guie até esse estágio de evolução que é viver intensamente, sem mediocridade.



" Sentiu um peso, mas não era o peso do fardo e sim a insustentável leveza do ser..." - Milan kundera


-Texto inspirado  no livro " A insustentável leveza do ser" - Milan Kundera

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